Quando Amar Também É Saber Dizer Não



Por Cleonice F Andrade 

Na prática clínica da terapia cognitiva, uma das questões mais recorrentes que observo em casais é a dificuldade de estabelecer e respeitar limites. Embora muitas vezes negligenciados ou confundidos com barreiras emocionais, os limites saudáveis são, na verdade, estruturas essenciais que permitem que o relacionamento floresça com respeito, autonomia e segurança.

 A Função Cognitiva dos Limites

Limites são representações externas de crenças internas. Eles refletem os esquemas cognitivos que cada indivíduo carrega sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo. Quando uma pessoa estabelece um limite — por exemplo, o direito à privacidade digital ou ao tempo com amigos — ela está afirmando uma crença fundamental: “Tenho valor e mereço respeito”. A ausência de limites claros pode indicar esquemas disfuncionais, como:

• Esquema de Subjugação: “Minhas necessidades não importam.”

• Esquema de Abandono: “Se eu não ceder, serei deixado.”

• Esquema de Controle: “Só estou seguro se souber tudo o tempo todo.”

Esses esquemas distorcem a percepção do que é saudável, levando a comportamentos invasivos ou submissos que comprometem a integridade do vínculo.

Limites Não São Segredos — São Acordos

É comum que pacientes confundam limites com segredos ou evasão. Na verdade, limites são acordos explícitos que definem o que é aceitável dentro da relação. Eles não escondem — eles protegem. Um limite saudável não exclui o outro, mas delimita o espaço necessário para que cada um possa existir como indivíduo.

Exemplos incluem:

• Privacidade digital: não acessar o celular ou redes sociais do parceiro sem consentimento.

• Autonomia social: manter amizades e atividades fora do relacionamento.

• Espaço pessoal: respeitar momentos de solitude ou hobbies individuais.

Esses limites não são universais — cada casal deve negociá-los com base em suas necessidades, valores e estilos de apego.

 O Ciclo Cognitivo da Violação de Limites

Quando um parceiro exige saber onde o outro está o tempo todo, restringe amizades ou exige acesso irrestrito às redes sociais, está operando sob um esquema de desconfiança ou controle. Esse comportamento, embora muitas vezes justificado como “prova de amor” ou “transparência”, na verdade mina a confiança e sufoca a individualidade. Na terapia, ajudamos os pacientes a identificar esses padrões e a reestruturar suas crenças:

• Diálogo socrático: questionar a lógica por trás da necessidade de controle.

• Reestruturação cognitiva: substituir pensamentos automáticos por interpretações mais equilibradas.

• Treinamento de habilidades de comunicação: aprender a expressar limites com assertividade e empatia.

 Como Estabelecer Limites na Prática

Estabelecer limites exige coragem e clareza. Algumas estratégias incluem:

• Autoavaliação: identificar suas próprias necessidades e valores.

• Comunicação assertiva: expressar limites sem agressividade ou culpa.

• Negociação empática: ouvir o outro e buscar acordos que respeitem ambos.

• Consistência: manter os limites mesmo diante de resistência ou manipulação.

Limites não são testes de amor — são expressões de maturidade relacional. Eles permitem que o vínculo seja construído sobre respeito mútuo, e não sobre vigilância ou submissão.

 Conclusão

Relacionamentos saudáveis não exigem fusão total, mas sim convivência consciente. Os limites são as linhas invisíveis que sustentam essa convivência, permitindo que cada parceiro seja inteiro, mesmo dentro do vínculo. Quando respeitados, eles promovem segurança, autenticidade e crescimento mútuo.

Se você sente que precisa abrir mão de sua privacidade, liberdade ou identidade para manter um relacionamento, talvez seja hora de perguntar: esse vínculo está nutrindo sua essência ou exigindo sua renúncia?


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