A Psicodinâmica da Confiança nos Relacionamentos: Uma Perspectiva Cognitiva-Comportamental
Por Cleonice F Andrade
A confiança é uma das pedras angulares dos relacionamentos humanos. Ela não apenas sustenta a intimidade emocional, mas também serve como base para a cooperação, a empatia e o crescimento mútuo. A partir da perspectiva da terapia cognitiva, desenvolvida ao longo de décadas de pesquisa e prática clínica, a confiança pode ser compreendida como uma construção psicológica moldada por esquemas cognitivos — estruturas mentais que organizam nossas experiências e influenciam nossas interpretações do mundo.
Esquemas de Apego e a Formação da Confiança
Desde os primeiros anos de vida, os indivíduos desenvolvem esquemas de apego com base nas interações com figuras parentais ou cuidadores. Esses esquemas funcionam como modelos internos que orientam expectativas sobre os outros e sobre si mesmo. Um apego seguro — caracterizado por consistência, responsividade e afeto — tende a gerar crenças centrais como “sou digno de amor” e “os outros são confiáveis”. Por outro lado, experiências de apego inseguro podem gerar crenças disfuncionais como “não posso contar com os outros” ou “se eu me abrir, serei ferido”.
Essas crenças, muitas vezes inconscientes, influenciam diretamente a capacidade de confiar. Em terapia, frequentemente observamos que pacientes com dificuldades de confiança carregam esquemas de abandono, traição ou rejeição, que distorcem suas interpretações de comportamentos alheios. Um gesto neutro pode ser percebido como ameaça, e a ausência de uma resposta imediata pode ser interpretada como rejeição.
🔄 O Ciclo Cognitivo da Desconfiança
A desconfiança não surge apenas de eventos passados, mas é mantida por um ciclo cognitivo. A pessoa com um esquema de desconfiança tende a buscar evidências que confirmem sua crença — ignorando sinais de confiabilidade e amplificando sinais ambíguos de ameaça. Esse viés de confirmação reforça o esquema, tornando-o mais rígido e resistente à mudança.
Por exemplo, se alguém acredita que “as pessoas sempre me decepcionam”, essa crença pode levá-lo a interpretar atrasos, esquecimentos ou falhas humanas como provas de sua teoria. Com o tempo, esse padrão cognitivo pode gerar isolamento, ansiedade relacional e até sabotagem de vínculos saudáveis.
🛠 Reconstruindo a Confiança na Terapia
Na terapia cognitiva, trabalhamos para identificar e reestruturar essas crenças disfuncionais. O processo envolve:
• Psicoeducação: ajudar o paciente a entender como seus esquemas influenciam sua percepção.
• Registro de pensamentos: monitorar situações que ativam a desconfiança e analisar a validade das interpretações.
• Experimentos comportamentais: testar hipóteses sobre confiabilidade em situações reais, promovendo novas experiências corretivas.
• Reestruturação cognitiva: substituir crenças disfuncionais por alternativas mais realistas e funcionais.
A confiança não é construída apenas pela lógica, mas pela experiência emocional. Por isso, encorajamos o paciente a se engajar em relacionamentos seguros e a observar, com atenção plena, os momentos em que é cuidado, ouvido e respeitado.
💬 Conclusão
A confiança é uma habilidade relacional que pode ser aprendida, desaprendida e reaprendida. Embora seja profundamente influenciada por experiências precoces, ela não está condenada ao passado. Com consciência, esforço e apoio terapêutico, é possível transformar esquemas de desconfiança em estruturas mais flexíveis, permitindo que o indivíduo se abra para vínculos mais saudáveis e significativos.
Se você se percebe lutando para confiar, lembre-se: isso não é uma falha pessoal, mas um reflexo de experiências que moldaram sua mente. E como toda crença, ela pode ser transformada. Faça terapia!

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