Dúvidas Constantes no Amor? Você Pode Estar Lidando com o TOC em Relacionamentos (ROCD)
By Cleonice F Andrade - Psicóloga Especialista.
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é uma condição de saúde mental que pode se manifestar de diversas formas, afetando diferentes aspectos da vida de uma pessoa. Uma de suas apresentações menos conhecidas, mas igualmente impactantes, é o TOC em Relacionamentos, também chamado de Relationship Obsessive-Compulsive Disorder (ROCD). Essa variante do TOC é caracterizada por obsessões e compulsões relacionadas a dúvidas e incertezas em relacionamentos, especialmente os românticos, embora também possa se estender a outros tipos de vínculos, como amizades, relações familiares ou até com animais de estimação. Além disso, o ROCD pode se voltar para si mesmo, com dúvidas focadas na própria adequação ou valor dentro do relacionamento. Neste artigo, exploraremos o conceito de ROCD, suas características, sintomas, exemplos de obsessões e compulsões, e como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) se destaca como um tratamento eficaz para essa condição.
O que é ROCD?
O ROCD é uma manifestação do TOC que se concentra em dúvidas persistentes e angustiantes sobre relacionamentos interpessoais. Diferentemente de preocupações normais que todos podem ter em algum momento, as obsessões no ROCD são intrusivas, recorrentes e geram um nível significativo de ansiedade, levando a comportamentos compulsivos na tentativa de aliviar esse desconforto. Embora o ROCD não seja um diagnóstico oficial no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), ele é amplamente reconhecido na literatura clínica como uma forma de TOC que afeta a vida relacional de quem o experiencia.
O ROCD pode se apresentar de três formas principais: focado no relacionamento (dúvidas sobre a relação em si, como “Será que esse relacionamento é o certo para mim?”), focado no parceiro (dúvidas sobre características do parceiro, como “Será que ele é atraente o suficiente?”) e focado em si mesmo (dúvidas sobre a própria adequação ou valor no relacionamento, como “Será que sou bom o suficiente para meu parceiro?”). Essas dúvidas não refletem necessariamente problemas reais no relacionamento ou em si mesmo, mas sim uma intolerância à incerteza e uma busca incessante por segurança que é típica do TOC.
Características do ROCD
O ROCD compartilha as características centrais do TOC, mas seu foco está nos relacionamentos e, em alguns casos, na autopercepção dentro desses relacionamentos. As principais características incluem:
- Intolerância à incerteza: Pessoas com ROCD têm dificuldade em aceitar as ambiguidades naturais de um relacionamento ou de sua própria identidade dentro dele, como momentos de dúvida ou a ausência de certeza absoluta sobre sentimentos e adequação.
- Pensamento perfeccionista: Há uma tendência a idealizar relacionamentos ou a própria performance neles, esperando que sejam perfeitos ou que a pessoa atenda a padrões irreais como parceiro.
- Alta responsabilidade: Muitas vezes, há um senso exagerado de responsabilidade para “resolver” as dúvidas, como se não agir pudesse levar a consequências catastróficas, como “perder tempo” em um relacionamento “errado” ou “não ser digno” do parceiro.
- Impacto na vida diária: As obsessões e compulsões consomem tempo e energia, interferindo no funcionamento social, profissional e pessoal.
Sintomas do ROCD
Os sintomas do ROCD podem ser divididos em obsessões e compulsões, que frequentemente se alimentam mutuamente em um ciclo vicioso:
Obsessões
As obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos que causam ansiedade. No contexto do ROCD, exemplos comuns incluem:
- Focado no relacionamento: “E se esse não for o relacionamento certo para mim?”
- Focado no parceiro: “Será que meu parceiro é atraente ou inteligente o suficiente?”
- Focado em si mesmo: “Será que sou bom o suficiente para meu parceiro? E se ele merece alguém melhor?” “E se eu não amar meu parceiro de verdade?” “E se eu estiver enganando meu parceiro ao continuar nesse relacionamento sem ter certeza?” “Será que sou interessante o suficiente para manter o relacionamento?”
Esses pensamentos são persistentes e difíceis de controlar, muitas vezes levando a uma ruminação prolongada que intensifica a angústia.
Compulsões
As compulsões são comportamentos ou atos mentais realizados para neutralizar a ansiedade causada pelas obsessões. No ROCD, podem incluir:
- Busca por reafirmação: Perguntar repetidamente ao parceiro ou a outras pessoas se o relacionamento é “certo”, se o parceiro realmente os ama ou se você é “bom o suficiente” para ele.
- Monitoramento constante: Verificar repetidamente os próprios sentimentos (“Eu sinto amor por ele agora?”), a atratividade do parceiro ou a própria “performance” no relacionamento (“Fui um bom parceiro hoje?”).
- Comparações: Comparar o relacionamento atual com outros (de amigos, celebridades ou até personagens fictícios), comparar o parceiro com outras pessoas ou comparar a si mesmo com os parceiros de outras pessoas.
- Evitação: Evitar situações que aprofundem o relacionamento (como discutir o futuro ou conhecer a família do parceiro) ou que exponham a própria vulnerabilidade, por medo de que isso intensifique as dúvidas sobre si mesmo ou sobre o relacionamento.
- Ruminações mentais: Passar horas analisando conversas, ações ou momentos do relacionamento em busca de “provas” de que o relacionamento é ou não “certo”, ou de que você é ou não “adequado” como parceiro.
Exemplos Práticos de ROCD
Para ilustrar como o ROCD se manifesta, considere o seguinte exemplo: Ana, de 28 anos, está em um relacionamento há dois anos. Ela começa a ter pensamentos intrusivos como “Será que eu realmente amo meu namorado? E se eu estiver apenas confortável, mas não apaixonada?”. Esses pensamentos a angustiam profundamente, e ela passa a monitorar seus sentimentos toda vez que está com ele, tentando “sentir” amor. Ana também busca reafirmação perguntando ao namorado várias vezes se ele a ama e compara seu relacionamento com o de amigas, sentindo que o dela não é “tão perfeito”. Apesar de o namorado ser atencioso e o relacionamento ser saudável, Ana não consegue parar de ruminar sobre suas dúvidas, o que a deixa exausta e tensa.
Outro exemplo é José, que se fixa na aparência de sua parceira. Ele tem pensamentos intrusivos como “E se ela não for atraente o suficiente para mim?”. José começa a observar obsessivamente características físicas dela, comparando-a com outras pessoas e buscando sinais de que ainda a acha bonita. Ele evita situações que poderiam “testar” sua atração, como sair com ela em público, por medo de confirmar suas dúvidas.
Um exemplo de ROCD focado em si mesmo é o de Clara, que constantemente se questiona: “Será que sou uma boa parceira? E se meu namorado merece alguém melhor que eu?”. Clara passa horas analisando suas próprias ações no relacionamento, buscando sinais de que falhou ou não está à altura. Ela evita conversas sobre o futuro com o namorado porque teme que ele perceba que ela “não é suficiente”, e frequentemente pede reafirmação dele, perguntando se ele está feliz com ela. Apesar de seu parceiro a elogiar e demonstrar amor, Clara não consegue se sentir segura em relação ao próprio valor no relacionamento.
Tratamento Eficaz: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é amplamente reconhecida como o tratamento mais eficaz para o TOC, incluindo o ROCD. A TCC foca em identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento disfuncionais, ajudando a pessoa a quebrar o ciclo de obsessões e compulsões. No contexto do ROCD, duas abordagens principais dentro da TCC são frequentemente utilizadas: a Exposição e Prevenção de Resposta (EPR) e a Reestruturação Cognitiva.
Por que a TCC é Eficaz?
- Enfrentamento Direto das Obsessões com EPRA EPR é uma técnica central da TCC para o TOC. Ela envolve expor a pessoa às situações ou pensamentos que desencadeiam ansiedade (como pensar “E se eu não amar meu parceiro?” ou “E se eu não for bom o suficiente para ele?”) e impedi-la de realizar as compulsões (como buscar reafirmação ou verificar sentimentos). Com o tempo, isso reduz a intensidade da ansiedade associada aos pensamentos intrusivos, ensinando ao cérebro que essas dúvidas não precisam ser “resolvidas”. No ROCD, por exemplo, uma exposição pode ser imaginar que o relacionamento não é “certo” ou que você “não é suficiente” e resistir ao impulso de buscar reafirmação do parceiro.
- Mudança de Padrões de Pensamento com Reestruturação CognitivaA reestruturação cognitiva ajuda a pessoa a identificar e desafiar crenças disfuncionais, como a ideia de que um relacionamento precisa ser perfeito, que você precisa ser um parceiro “perfeito” ou que a incerteza é intolerável. No ROCD focado em si mesmo, isso pode incluir trabalhar a autoimagem e desafiar pensamentos como “Eu não sou digno de amor”. Essa abordagem promove uma perspectiva mais equilibrada e realista sobre as relações e sobre si mesmo.
- Tolerância à IncertezaUm dos objetivos centrais da TCC no ROCD é ensinar a pessoa a tolerar a incerteza inerente aos relacionamentos e à própria identidade dentro deles. Em vez de buscar uma certeza absoluta (que é impossível), a pessoa aprende a conviver com a ambiguidade e a focar em viver o relacionamento no presente, em vez de ruminar sobre “e se”.
- Redução de Comportamentos CompulsivosA TCC ajuda a interromper os comportamentos compulsivos que reforçam o ciclo do TOC. Ao parar de buscar reafirmação, monitorar sentimentos ou analisar a própria adequação, a pessoa diminui a frequência e a intensidade das obsessões, permitindo que o cérebro “desaprenda” a associação entre o pensamento intrusivo e a necessidade de agir.
Evidências de Eficácia
Estudos demonstram que a TCC, especialmente a EPR, é altamente eficaz para o TOC, com taxas de redução de sintomas que variam de 60% a 80% em muitos casos. No contexto do ROCD, pesquisas mostram que a TCC não apenas reduz os sintomas, mas também melhora a satisfação no relacionamento, a autoestima e o bem-estar geral. Além disso, a TCC pode ser complementada com outras abordagens, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que ajuda a pessoa a aceitar pensamentos intrusivos sem reagir a eles, focando em ações alinhadas com seus valores.
Considerações Finais
O ROCD é uma condição desafiadora que pode impactar profundamente a vida de quem o experiencia, gerando angústia e tensão nos relacionamentos e na percepção de si mesmo. No entanto, com o tratamento adequado, como a Terapia Cognitivo-Comportamental, é possível gerenciar os sintomas e construir relações mais saudáveis e gratificantes, além de melhorar a autoimagem. Se você ou alguém que conhece apresenta sinais de ROCD, buscar ajuda de um profissional especializado em TCC pode ser o primeiro passo para a recuperação. Entender que essas dúvidas – seja sobre o relacionamento, o parceiro ou sobre si mesmo – são um sintoma do TOC, e não um reflexo da realidade, é essencial para iniciar o processo de cura.
Referências Bibliográficas
- Doron, G., Derby, D. S., & Szepsenwol, O. (2014). Relationship obsessive compulsive disorder (ROCD): A conceptual framework. Journal of Obsessive-Compulsive and Related Disorders, 3(2), 169-180.
- American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5) (5th ed.). American Psychiatric Publishinp
- Sookman, D., et al. (2017). The Clinician’s Guide to Cognitive-Behavioral Therapy for OCD: Theory and Practice.
- Doron, G., et al. (2016). Relationship Obsessive–Compulsive Disorder: Interference, Symptoms, and Maladaptive Beliefs. Frontiers in Psychiatry, 7, 58.

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